Antigamente, o tempo dos filhos em casa era reduzido. Antes da pandemia, os cuidadores trabalhavam fora e os filhos também ficavam boa parte do dia fora de casa.
Mas, segundo o psicólogo Rod Abbamonte, tudo isso tem levado os lares a perderem seu sentido da convivência. Muitas famílias, por exemplo, quase nunca fazem as refeições juntas.
“Não encontram tempo para conversar, cada um se fecha em seu cômodo da casa e em suas atividades ou distrações”, completa Rod que atua com ênfase na Análise do Comportamento Emocional e na Psicologia Sistêmica.
Mas após o auge da pandemia da Covid-19, pais de todo o mundo passaram a viver mais tempo com os filhos em casa. Segundo o psicólogo, foi criada uma nova dinâmica familiar. Confira:
Filhos em casa
Como você tem percebido os reflexos do confinamento nas famílias?
Rod Abbamonte: O confinamento faz com que um novo pacto tenha que ser feito, e este novo pacto pode ser visto como um aspecto positivo para a família.
Este pacto nasce não apenas para uma nova convivência, por si só um desafio, mas da sobrevivência, pois desafios financeiros e de saúde estão na mesa para serem discutidos.
A construção de uma narrativa simbólica pode fazer emergir uma família mais identificada, mais unida e com mais sentido, onde se passa de um sistema individual para um sistema onde o indivíduo é parte fundamental do sistema do grupo, do núcleo, da família.
Poderia explicar em mais detalhes sobre o novo pacto da família?
Rod Abbamonte: A família deve estabelecer seu pacto, ou seja, seu plano de contingência e de sobrevivência à pandemia, ao isolamento social, à quarentena e a um possível lockdown.
Este plano (pacto) deve ser revisto de tempos em tempos ou sempre que estiver clara a sua não eficácia.
Perguntas precisam ser respondidas: Como vamos sobreviver financeiramente? Como nos proteger e proteger um ao outro? Como vamos conviver respeitando as necessidades individuais e as necessidades do grupo? E como ajudar a sociedade e aos que precisam de ajuda?
Esta dinâmica de construção de uma nova narrativa pode criar uma nova família daquela pré-pandêmica, uma nova relação de vínculo entre o casal, entre o casal com os filhos e cada um (pai e mãe) com os filhos e com cada filho.
Os filhos precisam ser convidados a participar do processo como parte do grupo, como membro consciente e participativo, não alheio a nenhuma questão, seja financeira, relacionada à saúde ou de ajuda ao próximo.
Claro que a linguagem deve estar ajustada à idade de cada criança. Nenhum tema deve ser encoberto e as crianças não precisam ser protegidas dos fatos. Os fatos devem ser trabalhados pelos pais para que sejam melhor absorvidos pelos filhos.
Conversa, muita conversa, com paciência, altruísmo, generosidade e espírito de grupo.
É hora para menos celular e mais conversa, mais leitura, séries e filmes juntos, pipoca, limpar a casa em família, lavar e passar em família, ligar diariamente para os avós em vídeo conferência, para os primos e amigos, trocando afeto, apoio e experiências.
Pais precisam se reinventar
Este momento atípico pode ser uma oportunidade para os casais se aproximarem mais?
Rod Abbamonte: Sim e não, pois tudo depende do casal e da forma como cada casal irá viver este confinamento. Eu diria que é uma oportunidade para se conhecerem melhor, pois viviam muito distraídos.
É uma oportunidade para se concentrarem e se reconectarem física, psíquica e espiritualmente, mas deverão, antes de mais nada, superar o estresse de uma convivência de poucas horas por dia (8 a 10 horas em média) para 24 horas.
É um salto tremendo e não fruto de uma escolha, mas de uma imposição.
Não é um período de férias, mas um momento onde cada um mais ou menos permanece com os seus afazeres e ainda precisam cuidar da casa e dos filhos.
Sim, é uma oportunidade para o casal reforçar vínculos, mas igualmente uma oportunidade para o casal dilacerar o vínculo existente, se existir, pois nestes momentos também se reconhece a inexistência de vínculo que a vida distraída foi disfarçando.
Como o casal pode equilibrar seus papéis de pais e profissionais com os filhos em casa?
Rod Abbamonte: É preciso que tenham clareza do trabalho de cada um, da exigência de cada trabalho, das tarefas necessárias da casa e no cuidado dos filhos.
Não devem existir tarefas dos homens e das mulheres. Devem existir tarefas ocupadas por um ou pelo outro na medida do possível de cada um.
Não pode acontecer de um cobrar e o outro fazer apenas quando cobrado, pois isto levaria os dois ao estresse.
Não existe uma regra de convivência melhor ou pior, mas é preciso que haja uma regra, acordada, pactuada por todos, e respeitada.
Com os filhos em casa, é preciso tomar cuidado para não anular o momento a dois?
Rod Abbamonte: A pandemia, assim como uma guerra, é uma situação atípica e, portanto, nossas reações e decisões deverão ser também atípicas, ou compatíveis com o momento.
Não adianta fantasiar, fazer muitos planos, muitas exigências, ter muitas expectativas, pois a boa convivência nascerá do fazer o melhor possível; o que for possível de se fazer.
Às vezes, uma pequena conquista do casal, na relação, no cuidado do bebê, do filho de 1 a 3 anos, de 4 a 7 anos, e assim por diante pode trazer uma recompensa mais profunda ao casal do que um momento romântico com luz de vela e depois um caos por falta de um bom pacto.
Afazeres domésticos
Em relação à rotina com os filhos em casa e aos afazeres domésticos, como os casais podem se reinventar para evitar conflitos?
Rod Abbamonte: A consciência do momento, a consciência de si e do outro, a compreensão do desgaste que os filhos sofrem, a lembrança dos antepassados que sofreram provações eventualmente mais difíceis e superaram.
Tudo isso possibilita a união dos cônjuges e da família para a construção de um pacto, de um plano que engrandeça o grupo e a cada membro deste grupo.
O peso deve estar o mais equilibrado possível e quando o equilíbrio não for totalmente possível, o que estiver carregando o peso maior deve ser reconhecido e recompensado.
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Beijos, da Mamãe Prática Mari
Foto: Canva/Julia M Camerom
Post atualizado em julho de 2022.